Ilda Figueiredo faz balanço da Assembleia do Conselho Mundial da Paz

«Sem outras políticas <br> não se constrói a paz»

Hugo Janeiro Texto
Inês Seixas Fotos

Fazer con­vergir a de­fesa da paz e a luta contra o im­pe­ri­a­lismo, pelo pro­gresso eco­nó­mico e so­cial, é o de­safio co­lo­cado aos povos, ex­plicou Ilda Fi­guei­redo, Pre­si­dente do Con­selho Por­tu­guês para a Paz e Co­o­pe­ração (CPPC), em en­tre­vista ao Avante!. Esta foi uma das con­clu­sões cen­trais da As­sem­bleia do Con­selho Mun­dial da Paz, que de­correu entre os dias 20 e 23 de Julho em Kat­mandu, no Nepal.

«Não es­tamos con­de­nados à bar­bárie. Os povos podem cons­truir um fu­turo de pro­gresso so­cial»

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A apre­ci­ação é jus­ti­fi­cada pelo agra­va­mento da crise ca­pi­ta­lista, cujos des­do­bra­mentos acar­retam enormes pe­rigos e re­tro­cessos ci­vi­li­za­ci­o­nais para os tra­ba­lha­dores e os povos de todo o mundo.

A mul­ti­pli­cação dos focos de in­ter­venção mi­litar, «en­vol­vendo cada vez mais meios para do­minar um maior nú­mero de países de­ten­tores de re­cursos va­li­osos, como o pe­tróleo, gás na­tural ou a água, ou que gozam de uma po­sição ge­o­grá­fica pri­vi­le­giada», mos­tram a re­acção be­li­cista do im­pe­ri­a­lismo às di­fi­cul­dades im­postas pelas suas pró­prias con­tra­di­ções. «Os casos mais re­centes da Líbia e da Síria, e, an­te­ri­or­mente, do Iraque e Afe­ga­nistão, são ilus­tra­tivos».

Tal facto é acom­pa­nhado pelas mo­vi­men­ta­ções de «cerco, en­fra­que­ci­mento e de­ses­ta­bi­li­zação de na­ções emer­gentes, casos da Rússia e China», con­si­derou ainda Ilda Fi­guei­redo.

Neste con­texto, des­tacam-se os EUA e a União Eu­ro­peia, «bloco im­pe­ri­a­lista e as­su­mi­da­mente o pilar eu­ropeu da NATO desde a as­si­na­tura do Tra­tado de Lisboa.

«A rede ten­ta­cular de bases mi­li­tares norte-ame­ri­canas e da NATO, e o novo con­ceito es­tra­té­gico apro­vado na Ci­meira de Lisboa, per­mitem ao im­pe­ri­a­lismo in­tervir à es­cala global, re­pre­sen­tando uma ameaça per­ma­nente à paz», razão pela qual, na As­sem­bleia, foi rei­te­rada a exi­gência de dis­so­lução da or­ga­ni­zação, qua­li­fi­cada como ini­miga dos povos.

Foi também «re­a­fir­mado o di­reito dos povos a exi­girem a saída dos res­pec­tivos países da­quela es­tru­tura mi­litar», lem­brou. 

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Fazer con­vergir as lutas

Para lá da ex­pressão ob­ser­vada nas guerras de ra­pina im­pe­ri­a­listas – que além do mais são um enorme ne­gócio para o com­plexo in­dus­trial-mi­litar das grandes po­tên­cias, quer através do for­ne­ci­mento de ar­ma­mento, quer de­pois por via da “re­cons­trução” dos países agre­didos, notou Ilda Fi­guei­redo – acen­tuam-se ainda ou­tras com­po­nentes.

Por um lado, «os ata­ques aos ren­di­mentos e di­reitos dos tra­ba­lha­dores, dos jo­vens, dos pe­quenos agri­cul­tores». Por outro «a des­fi­gu­ração da de­mo­cracia a par de uma in­tensa ope­ração de con­di­ci­o­na­mento ide­o­ló­gico».

Os povos de Por­tugal, Grécia, Ir­landa, Itália ou Es­panha são ví­timas das cha­madas me­didas de aus­te­ri­dade, cujo pro­pó­sito é «au­mentar a ex­plo­ração, des­man­telar e pri­va­tizar os ser­viços pú­blicos e re­duzir o papel so­cial do Es­tado», tendo como re­sul­tados «a de­gra­dação das con­di­ções de vida das po­pu­la­ções, o apro­fun­da­mento das de­si­gual­dades e in­jus­tiças so­ciais», como se afirma na de­cla­ração, re­fere Ilda Fi­guei­redo.

Ao mesmo tempo, «cresce a vi­o­lência sobre o pro­testo e a luta, avança a re­visão e o bran­que­a­mento his­tó­rico e são pro­mo­vidas e to­le­radas po­si­ções e prá­ticas anti-co­mu­nistas, fas­cistas ou fas­ci­zantes, in­clu­si­va­mente as­su­midas por Es­tados per­ten­centes à União Eu­ro­peia».

Ora para a pre­si­dente do CPPC, isto de­monstra que «a in­te­gração ca­pi­ta­lista da UE não re­pre­senta um con­tri­buto para a pros­pe­ri­dade dos povos, pelo con­trário, sig­ni­fica um re­tro­cesso nas con­quistas dos tra­ba­lha­dores»; que a crise ca­pi­ta­lista de­sen­ca­deou «uma muito pe­ri­gosa es­ca­lada re­pres­siva in­terna», exi­gindo aos de­fen­sores da paz que travem «uma ba­talha contra o bran­que­a­mento do fas­cismo» e re­gimes afins, já antes im­postos na Eu­ropa a pro­pó­sito de outra crise ca­pi­ta­lista, com con­sequên­cias trá­gicas para a paz e os povos.

Mostra, no fundo, que «a luta dos tra­ba­lha­dores e dos povos em de­fesa dos seus di­reitos, da de­mo­cracia e do pro­gresso so­cial não se pode dis­so­ciar da luta pela paz», sendo ta­refa ime­diata «fazer con­vergir di­fe­rentes es­tratos da po­pu­lação, di­fe­rentes cor­rentes de opi­nião na de­fesa da paz», uma vez que «po­lí­ticas eco­nó­micas, so­ciais e cul­tu­rais agres­sivas têm de­pois ex­pressão no re­forço do apa­relho re­pres­sivo e no es­po­letar de guerras.

«Es­tamos obri­gados a mo­bi­lizar todos os es­forços para im­pedir que o im­pe­ri­a­lismo do­mine os povos do mundo, a alargar a cons­ci­ência de que não es­tamos con­de­nados à bar­bárie e de que os povos podem cons­truir um fu­turo de pro­gresso so­cial», pois «sem ou­tras po­li­ticas, de re­dis­tri­buição justa, não se cons­trói a paz», con­cluiu Ilda Fi­guei­redo.

 

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Povos li­vres para de­cidir

Um as­pecto bas­tante su­bli­nhado na As­sem­bleia, quer em mo­ções es­pe­cí­ficas, quer de­pois no texto final da re­so­lução po­li­tica, des­tacou a pre­si­dente do CPPC, foi a in­ge­rência e as ame­aças a na­ções e povos «que buscam o pro­gresso so­cial, o re­forço da de­mo­cracia, que es­co­lheram um ca­minho so­be­rano e de paz e co­o­pe­ração re­gi­onal», e que, por isso, se en­con­tram no campo da luta anti-im­pe­ri­a­lista, de­sig­na­da­mente na Amé­rica La­tina.

«O di­reito dos povos a es­co­lherem o seu pró­prio des­tino, a ele­varem as suas con­di­ções de vida e a vi­verem em paz, e a ne­ces­si­dade de alargar a so­li­da­ri­e­dade in­ter­na­ci­onal sempre que aqueles pro­pó­sitos são co­lo­cados em causa, são parte in­te­grante da luta pela paz», de­fendeu Ilda Fi­guei­redo, para quem os re­centes golpes no Pa­ra­guai e Hon­duras, e as an­te­ri­ores ten­ta­tivas der­ro­tadas na Ve­ne­zuela, Bo­lívia e Equador, bem como a pressão sobre Cuba so­ci­a­lista, mos­tram que o im­pe­ri­a­lismo não se con­forma «quando os povos es­co­lhem um ca­minho pró­prio longe do seu cu­telo».

 

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Im­pedir novas guerras

«São ocul­tadas da mai­oria das pes­soas as con­sequên­cias que uma guerra acar­reta para mi­lhões de seres hu­manos, du­rante ge­ra­ções», facto que so­bres­saiu na reu­nião magna do Con­selho Mun­dial da Paz, em grande me­dida pelas in­ter­ven­ções das or­ga­ni­za­ções asiá­ticas, pre­cisou Ilda Fi­guei­redo.

«O caso do Vi­et­name, cujo povo ainda sofre as con­sequên­cias da uti­li­zação do agente la­ranja pelos EUA», no­me­a­da­mente cri­anças que «con­ti­nuam a nascer com mal-for­ma­ções con­gé­nitas» atri­buídas aquele quí­mico, «ou do Laos, onde as bombas que não ex­plo­diram, lan­çadas pelos norte-ame­ri­canos, vi­timam e mu­tilam, ainda hoje, mi­lhares de pes­soas» foram ali tra­zidos com de­talhe e ob­jecto de mo­ções du­rante a As­sem­bleia.

A cor­ro­borar a pre­va­lência no tempo da acção des­tru­tiva de uma guerra, acrescem os exem­plos das mar­ti­ri­zadas po­pu­la­ções do Iraque, e de Fal­lujah par­ti­cu­lar­mente, e, tantos anos pas­sados, do Japão, «cujos efeitos das duas únicas bombas ató­micas lan­çadas num con­flito, pelos EUA sobre Hi­ro­xima e Na­ga­saki, ainda se fazem sentir».

Alargar «a cons­ci­ência sobre as con­sequên­cias de uma guerra per­mite alargar a mo­bi­li­zação contra novas guerras im­pe­ri­a­listas», in­sistiu a pre­si­dente do CPPC, que, a este pro­pó­sito, en­fa­tizou a ne­ces­si­dade de im­pedir que evolua para ou­tros moldes «a agressão im­pe­ri­a­lista contra a Síria e, pre­vi­si­vel­mente, contra o Irão», aven­turas mi­li­tares de re­per­cus­sões im­pre­vi­sí­veis.

«Não estou apenas a falar do au­mento do preço do pe­tróleo e dos ali­mentos, mas da de­ses­ta­bi­li­zação de todo o Médio Ori­ente e das con­sequên­cias para os povos se for por di­ante uma guerra na re­gião», sendo de prever «a uti­li­zação de ar­ma­mento muito pe­ri­goso, cujos efeitos per­duram e ex­pandem-se», in­cluindo às re­giões vi­zi­nhas.

No com­bate que é pre­ciso travar para im­pedir a es­ca­lada da agressão im­pe­ri­a­lista contra a Síria, Ilda Fi­guei­redo sa­li­entou também a «im­por­tância da ba­talha contra a ofen­siva in­for­ma­tiva que tem como missão fa­ci­litar a vida à in­ter­venção im­pe­ri­a­lista».

Na As­sem­bleia, a im­per­me­a­bi­li­dade à cam­panha de in­to­xi­cação pú­blica pro­mo­vida pelo im­pe­ri­a­lismo re­la­ti­va­mente aos acon­te­ci­mentos na Síria foi ab­so­luta, de tal forma que a re­so­lução po­lí­tica apro­vada vinca «o di­reito do povo sírio a de­ter­minar o seu fu­turo e li­de­rança, livre de qual­quer in­ge­rência» e de­nuncia «as ma­no­bras es­tran­geiras para minar a so­be­rania da Síria», afirmou Ilda Fi­guei­redo.

Re­forçar e agir

Na As­sem­bleia do Con­selho Mun­dial da Paz (CMP), o CPPC foi re­e­leito para os or­ga­nismos exe­cu­tivos da or­ga­ni­zação e man­teve a co­or­de­nação da re­gião Eu­ropa. Para Ilda Fi­guei­redo, que aceitou pre­sidir ao CPPC após doze anos como eu­ro­de­pu­tada eleita pelo PCP, o de­safio agora re­no­vado é grande, talvez mesmo só com­pa­rável ao ta­manho da res­pon­sa­bi­li­dade.

A As­sem­bleia co­locou como uma das ta­refas ur­gentes, não apenas a pro­moção da con­ver­gência com a luta anti-im­pe­ri­a­lista e pelo pro­gresso so­cial, mas, igual­mente, o re­forço e ex­pressão do mo­vi­mento da paz entre as massas e nos di­versos con­ti­nentes.

«Po­demos co­meçar a con­tri­buir cum­prindo essa ori­en­tação no nosso País, que é ao mesmo tempo uma forma de re­forçar o mo­vi­mento na Eu­ropa», por isso, anun­ciou, já no pró­ximo dia 21 de Se­tembro, Dia In­ter­na­ci­onal da Paz, o CPPC vai «pro­mover ac­ções que dêem vi­si­bi­li­dade à de­cla­ração po­lí­tica do CMP».

No mesmo sen­tido, «re­a­li­za­remos também a nossa As­sem­bleia da Paz, mo­mento im­por­tante para, com os ac­ti­vistas do CPPC e os vá­rios nú­cleos, e con­vi­dando per­so­na­li­dades e ou­tras or­ga­ni­za­ções e mo­vi­mentos, avan­çarmos no re­forço do mo­vi­mento da paz».

Fi­nal­mente, «nos dias 29 e 30 de Ou­tubro, vai re­a­lizar-se uma con­fe­rência eu­ro­peia sobre crise ca­pi­ta­lista e o mi­li­ta­rismo, ini­ci­a­tiva que já es­tamos a or­ga­nizar com o se­cre­ta­riado do CMP e as or­ga­ni­za­ções eu­ro­peias», re­velou Ilda Fi­guei­redo.